A Despedida
Subiu as escadas lentamente ao mesmo tempo que sentia toda a sua vida a escorregar pelo corrimão. Fez várias pausas para recuperar o fôlego que teimava em não ajudá-la naquela escalada. Não optou pelo elevador pois poder-se-ia cruzar com alguém quando abrisse a porta e naquela altura era tudo o que menos queria que acontecesse. Abriu a porta de casa e o barulho do trinco foi para ela como que um carimbo no passaporte quando se passa uma fronteira. Finalmente tinha chegado a casa. Encostou-se à porta e ali ficou parada sem conseguir dar um passo. Sentia-se dormente e o silêncio à sua volta era imenso. Tudo parecia vazio. Nada tinha suporte. Apenas o sol espreitava pela janela do seu quarto e já com algum esforço esbatia as paredes da casa com as cores que veste quando se despede do dia. Também ele se preparava para partir...
Sentiu as costas curvarem pelo peso enorme que se apoderava do seu peito e caminhou até ao quarto, caindo na cama. Abandonou-se na convulsão do choro que aguardava ansioso por se soltar e acabou por adormecer.
Mais tarde, acordou no silêncio da madrugada ainda vestida e sentou-se na cama. Com algum esforço, levantou as pálpebras e olhou à sua volta como se tentasse reconhecer aquele lugar. Era tanta a sua vontade de fugir àquela nova realidade que por instantes tudo ao seu redor lhe pareceu estranho. Será que entrei numa realidade virtual ?... Que bom que era ! pensou. Mas nada disso. De facto aquele era mesmo o seu quarto, apenas tinha um ar diferente. A lua tinha vindo substituir o sol. O véu de luar que inundava o quarto dava-lhe um ar místico e foi apenas isso que a confundiu. Respirou fundo numa inspiração cortada por alguns soluços que tinham ficado esquecidos durante o sono e aninhou-se novamente.
Acordou com o burburinho típico do amanhecer. O som das viagens desenfreadas do elevador para cima e para baixo que aos poucos ía tornando aquele prédio deserto. Lá fora ouvia-se o rugido dos motores dos carros que aqueciam para mais uma viagem; a desgarrada entre o toque de alvorada das buzinas que apressavam os mais atrasados e o tímido chilrear de alguns pássaros, um frenesim que mais parecia uma conspiração contra toda aquela dormência que se tinha apoderado de Beatriz.
Lutou contra o seu corpo que teimava em resistir àquele pulsar de vidas alheias e lá se levantou. Deambulou até à casa de banho e começou a despir-se. Sentia ainda a roupa colada à pele do abraço intenso que Rafael lhe dera ao despedir-se. ˝Vais ver que o tempo vai passar rápido... eu amo-te...nunca te esqueças disso Beatriz...espera por mim...˝ - ˝eu vou estar sempre aqui à tua espera... amo-te ...não te esqueças de procurar os meus beijos na lua todas as noites......˝ respondeu Beatriz. Ficaram abraçados como se quisessem parar todo o tempo do mundo naquele instante.
O deslizar da roupa na pele era como se fosse o desenlace daquele abraço e sentiu outra vez aquele peso no peito, mas não quis seguir noutra espiral de tristeza e entrou no duche. Abriu a torneira e deixou-se acariciar pela água durante alguns minutos. Espalhou o gel pelo corpo em movimentos suaves e usou a luva exfoliante...talvez conseguisse arrancar toda a angústia que sentia...
Era estranho sair para a rua sem qualquer destino ou plano traçado.
Olhou-se ao espelho...fechou os olhos e sentiu a mão de Rafael travar o caminho de mais uma lágrima...talvez fosse a última...pelo menos por este dia...o primeiro de uma longa espera sem encontro marcado.
...estamos quase a chegar lá onde queremos ficar para o resto da vida...até já !
12/11/2008
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2 comentários:
Hoje as marcas dessas pegadas há muito seguem a par, por isso parabéns pela coragem e perseverança Beatriz, toma bem conta desse tesouro Rafael
Eu conheço a profundidade dessa raiz
Milhões de Beijos
Há histórias assim de amores quase perfeitos
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